Aula de Roteiro 20

Vilões e Antagonistas

Necessidades Literárias
Muitos escritores/roteiristas costumam dizer que uma grande história começa com um grande vilão. O herói pode ser aquele que leva todas as glórias, onde é divertido acompanhar cada passo da superação dos problemas que surgem, mas é o vilão que causa tais problemas. Consequentemente, quanto melhor e mais perigoso o vilão, mais difícil se tornará a jornada do herói e mais interessante será para o público.

Em contrapartida, caso não haja um vilão à altura, o risco da história ser desinteressante e enfadonha é enorme. Bons vilões são aqueles que representam o extremo oposto de alguma característica do herói. Como exemplo, temos Batman, Duas-Caras e Pinguim.

Batman é alguém que um dia já foi Bruce Wayne. O garotinho Wayne morreu junto a seus pais, naquele fatídico assassinato. Seus pais morreram de fato, mas o menino morreu por dentro. E uma longa “gestação” (seu período de treinamento) começou até que outro ser surgisse, o homem-morcego. Hoje, sua personalidade verdadeira é Batman, sendo Wayne um mero disfarce para que ele possa melhor agir na sociedade durante o dia, já que à noite ele veste a máscara e a capa.

Duas-Caras, por outro lado, era Harvey Dent, um excelente promotor público que via a justiça na sociedade muito em preto no branco. Com ele não havia os tons de cinza. Entretanto, durante um julgamento, o réu que acusava atirou ácido em seu rosto, desfigurando metade dele. O incidente despertou em Harvey uma segunda personalidade, que ficou conhecida como “Duas-Caras”. Enquanto seu rosto limpo representa seu lado bom, justo e correto, seu lado desfigurado representa seu lado negro e a vontade de simplesmente julgar a sociedade como deve ser julgada, onde ele é juiz, júri e executor. E em qualquer questão, costuma ouvir ou um lado ou o outro. Tal dúvida é representada em uma moeda, onde um lado é riscada (Duas-Caras) e a outra, a coroa, é limpa (Harvey Dent). Ao arremessá-la para o clássico cara-e-coroa, ele agirá conforme o lado sorteado.

E o que Batman tem a ver com Duas-Caras? Harvey Dent faz ligação com Bruce Wayne, enquanto Duas-Caras faz ligação com Batman. Ambos vestem máscaras para que possam ser seus “verdadeiros eus” e disfarces para que contrabalanceiem suas ações questionáveis. Batman enxerga muito de si mesmo em Duas-Caras e Duas-Caras não consegue mais viver em um mundo onde não há alguém como Batman para servir de freio moral. Um depende do outro, como parasitas.

Desse modo, Duas-Caras representa as duas personalidades de uma só criatura, a criatura Batman/Bruce Wayne.

Já Pinguim foi um rapaz eternamente caçoado na infância e atormentado em uma família problemática. Querendo dar a volta por cima, envolveu-se no submundo, galgando espaços até se tornar um lorde do crime. O Pinguim deseja respeito e segurança. Respeito, porque não quer nunca mais servir de zombarias novamente e segurança porque jamais quer passar pelo que passou com sua família. Sendo assim, Pinguim acabou se tornando uma figura temida e respeitada no mundo do crime de Gotham City.

Pinguim faz oposição mais à Bruce Wayne do que ao Batman em si. Wayne nasceu rico. Pinguim era pobre. Wayne tinha uma família feliz e a perdeu. Pinguim tinha uma família problemática e a exterminou. Bruce Wayne é rico e usa sua fortuna de forma progressista e usa de filantropia. Pinguim usa sua fortuna como forma de abusar dos mais fracos e para financiar suas operações criminosas. Wayne é bem quisto em Gotham. Pinguim é caçado, embora nunca o tenham capturado pra sempre.

Esses dois vilões servem para mostrar que um bom vilão é aquele que representa o extremo oposto de uma única faceta do herói e é ali que o escritor deve trabalhar com ele. Nada melhor para provar que uma boa história tem que ter um bom vilão.

Necessidades Sociais
Em uma sociedade, o vilão serve a dois propósitos. O primeiro é o propósito de “válvula de escape”. O segundo é o propósito de evolução. Vamos ver cada propósito em partes.

Quando falamos em válvula de escape, representa o castigo imposto a uma figura de modo a causar um alívio psicológico coletivo na sociedade. Um exemplo é o recente Caso Isabella, onde a polícia cada vez mais se mostra em um beco sem saída sobre quem é o culpado. Sem entrar no mérito de estarem 100% certos ou não, diante da repercussão causada na mídia sobre o caso, um sentimento de indignação automaticamente nasce na sociedade e que só pode ser suplantado com a punição do culpado.

E o culpado sempre aparece, verdadeiro ou não.

A afirmação acima refere-se ao fato de que alguém precisa levar a culpa, independente de ser descoberto ou não o culpado real. Assim nascem os “bodes expiatórios”. Agora, se o pai da menina e a namorada dele são culpados, é um detalhe que não entra no foco deste texto, sendo este caso um mero exemplo.

A sociedade parece que tem uma necessidade quase patológica de “acabar com alguém” quando algum fato polêmico acontece, apontando os dedos sem pensar. E quando a poeira começa a se assentar e os fatos vão se desdobrando, já é tarde demais.

Essa é a tal válvula de escape, onde a sociedade inerentemente não quer ter a sensação de impunidade rolando solta. É reconfortante, embora as pessoas não percebam, ter a sensação de que se algo acontecer a elas, uma justiça será feita.

Já quanto à necessidade de evolução, ela age mais no consciente do que no inconsciente. Diante da História Geral da Humanidade, Adolf Hitler é taxado como vilão, embora para os alemães da 2ª Guerra Mundial ele tenha sido um herói. Olhando pelo ponto de vista do resto do homem, as filosofias do 3° Reich soam como absurdas e as consequencias das tentativas de implantação de tais preceitos costumam ser usados como prova do que não devemos fazer entre nós.

Osama Bin-Laden e seu Al-Qaeda representam para os EUA e algumas outras nações, como a Inglaterra, a figura do caos no mundo. Segundo essas superpotências, indiretamente, muito do comércio tradicional e da indústria bélica vai parar na mão de terroristas, que nada mais são do que rebeldes ao status quo que levam suas crenças às últimas consequências, sendo taxados como fanáticos por tentarem impor sua visão de mundo.

Ironicamente, os próprios EUA são muito criticados pela mesmíssima razão, criando novos inimigos para eles. Um de seus maiores lemas é “In God We Trust” (Em Deus confiamos). Porém, acompanhe um trecho da música “America”, da banda sueca de metal progressivo Pain of Salvation:

“…so now you are scared
the arabs will kill for their god
like you do for yours?”

“… então agora vocês estão assustados
porque os árabes matam pelo deus deles
como vocês fazem pelo de vocês?”

Tendo isso em mente, é importante salientar que, do âmbito mundial, nunca há vilões propriamente ditos. Para os alemães, Hitler era um herói. Para os EUA, um vilão. Bush é um herói para uns e um vilão para outros. Porém, indubitavelmente, o que fica são os fatos. E os fatos são apresentados sempre do ponto de vista do “vencedor”.

O “vencedor” pode ser entendido como no exemplo dos samurais e ninjas. Os samurais, a elite japonesa, eram os que governavam o país durante o período do xogunato. Temos vários documentos e provas históricas das ações dos samurais. Mas e os ninjas? São um mistério. Não deixaram quase nada. Isso se deve em parte por sua filosofia de agir e em parte aos rumos da própria História.

O grande ponto é que tanto os samurais quanto os ninjas tinham o mesmo objetivo: um país forte e em paz. Mas divergiam quanto ao modo que isso devia acontecer. Para o samurai, existia toda uma etiqueta e tradição que devia ser fanaticamente seguida. Já o ninja não via necessidade desse tipo de coisa. Como classe dominante, foi natural que o samurai, por lei, declarasse o ninja como criminoso, o que os fez naturalmente se esconderem ainda mais, criando toda aquela aura de mistério. Os samurais caminhavam abertamente na rua. Se um ninja fizesse isso, era perseguido até a morte. Lógico que ficou registrado na História do Japão o ninja como sendo desonrado, criminoso, traiçoeiro e manipulador. Era a mesma coisa que colocar em uma sala um evangélico e um seguidor de umbanda.

Esse exemplo dos samurais e ninjas só mostra que o “vencedor” (no caso, os samurais, não porque fossem melhores ou tivessem conseguido exterminar os ninjas – o que não fizeram! – mas é pelo puro fato de estarem no poder) é quem mostra a “verdade”.

Dessa forma, as ações dos chamados “vilões” são classificadas erradas e colocadas como ponto de “como as coisas não devem ser”, daí vem o argumento do propósito de evolução da humanidade. Sem os vilões para cometerem os atos “errados” (e veja bem, onde essas aspas ilustram a visão muito subjetiva das coisas), não haveria o consciente coletivo de melhoria de nossa raça. Então o vilão é também necessário dessa forma.

Personagens secundários
Os personagens secundários são quase tão importantes quanto o personagem principal, também recebendo um altís¬simo grau de atenção no momento de criá-los. Entretanto, não é necessário escrever um amontoado tão grande de páginas para eles. As perguntas, os quesitos a serem criados são os mesmos, mas não se preocupe em responder cada item com um volume tão grande de texto.

Uma coisa realmente importante a se pensar é o papel dos personagens secundários perante o personagem principal. O herói de sua história não é nada sem um bom “elenco de apoio”. Os melhores filmes, as melhores séries, enfim, as melhores histórias são feitas com um excelente elenco de apoio, pois é através deles que o personagem principal fica mais rico.

A razão disso é o relacionamento que os personagens secundários devem ter com o personagem principal. Henry James, o grande romancista americano, afirmou que o personagem principal de uma história ocupa o centro de um círculo, e todos os outros personagens o rodeiam em um círculo externo. James percebeu que cada vez que o personagem principal entra em contato com um dos outros personagens, alguma luz ou conhecimento ou insight deve ser revelado sobre o personagem principal. E ele usou a imagem de alguém entrando em uma sala escura e acendendo as lâmpadas em cada canto iluminando uma parte específica. Isso significa que outro personagem pode expressar algo sobre o personagem principal de forma que o mesmo não tenha que explicar sempre as coisas. Essa é uma ferramenta maravilhosa para se usar quando você quer expandir as dimensões do personagem.

E é por isso que eles são tão importantes. Vamos pegar um exemplo conhecido universalmente, o Homem-Aranha. Ao redor de Peter Parker temos: a tia May, Mary Jane Watson, Harry Osborn, Flash Thompson, Dr. Curt Connors, entre outros, mas fiquemos com esses por enquanto.

A tia May representa o senso de responsabilidade que Peter deve ter não só como pessoa, mas principalmente como herói. Quando o tio Ben, marido de May foi morto por um ladrão que Peter poderia ter detido e não o fez, Peter não falhou apenas com seu tio e consigo mesmo, mas falhou com sua tia. O marido dela, a pessoa que ela mais ama morreu. E por culpa dele. Então é na figura da tia May que o lema “com grandes poderes vem grandes responsabilidades” fala mais alto.

A Mary Jane é seu interesse amoroso? Realmente, mas é com ela que Peter tenta ser mais normal do que já é. Ele não é um deus como Thor, um alienígena como Superman ou tantos outros personagens diferentes. Ele é uma pessoa, apenas uma pessoa. Mas é uma pessoa nerd. E os nerds não tem uma fama muito boa, geralmente. E é com Mary Jane que ele tem o lado de tentar ser mais sociável, de tentar viver uma vida mais dentro dos parâmetros da sociedade. É com ela que Peter tem uma pontinha de felicidade no meio de tanto caos em sua vida. E às vezes, nem com ela…

Harry Osborn é seu melhor amigo. Rico, boa pinta, descolado… tudo que ele não é. E é com Harry que ele tenta achar um figura masculina de amizade mais próxima, pois é um rapaz que não tem preconceitos, inclusive com nerds. Harry é um personagem que devido a seu status social e financeiro pode prover várias possibilidades a Peter. E é claro, pesa o fato de que Harry é filho de Norman Osborn, o Duende Verde – seu maior inimigo.

Flash Thompson sempre se achou o maioral na escola. O valentão, o garanhão, o esportista, o cara mais popular da escola. E é através de Flash que Peter sofre na escola, sendo humilhado, mas nunca podendo dar a volta por cima, ao menos, não batendo de frente. É a clássica rixa de populares VS nerds.

O Dr. Curt Connors é um famoso geneticista e biólogo. E Peter é um nerd. Como professor universitário de Peter em seus anos de faculdade, o Dr. Connors era o contato dele no mundo nerd/científico, fosse ajudando-o ou causando dores de cabeça para ele na figura do Lagarto – que para quem não sabe, o Dr. Connors é um transmorfo, algo semelhante a um lobisomem, mas no caso dele, é um misto de humano e réptil.

Analisando o Homem-Aranha e alguns de seus coadjuvantes, imagine Peter de pé, parado. Agora imagine os personagens secundário ao redor dele, formando um círculo. Cada um deles revelará um aspecto de Peter ao lidar com ele, sempre criando conflito – e, conseqüentemente, Pontos de Virada – e assim mantendo suas histórias para frente, criando várias possibilidades.

Em Matrix, por exemplo, temos Neo e ao seu redor temos Morpheus, Trinity, Oráculo, entre outros mais. Com Morpheus, Neo tinha um general, um superior que sabia como lidar com ele para enfrentarem melhor as Máquinas. Morpheus, um estrategista por natureza era seu mentor. Em um mundo em que as chances de sobrevivência estão em um numeral negativo, por que lutar? Por Trinity. Após conhecê-la, Neo tinha uma motivação enorme para continuar lutando quando parecia não haver mais motivos. No caso de Oráculo, ela era a guia em seu caminho quando tudo se tornava confuso ou escuro demais.

E com todas as histórias, a interação dos personagens secundários com o personagem principal sempre será assim. Essa teoria tem dois nomes: ou Círculo da Existência ou Teoria da Iluminação.

Se você imagina o seu personagem como um círculo e então o parte como você dividiria um pedaço de torta, você divide áreas de sua vida em física, emocional, mental, incidentes sociais ou acontecimentos que formam o tecido do seu personagem. Dessa forma você pode criar um retrato bem arredondado de seu personagem e então tudo o que você faz, todas as emoções, pensamentos e sentimentos, você dramatiza trabalhando para o benefício da expansão de sua caracterização.

Algumas vezes você pode construir um roteiro inteiro no Círculo de Existência. Escreva duas ou três páginas, em livre associação, definindo o Círculo de Existência do seu personagem.

O Círculo de Existência é um benefício valioso, ou ferramenta, que você pode usar para lapidar, enriquecer e melhorar o seu personagem. Se você for até a vida do seu personagem e se perguntar qual incidente traumático pode ter ocorrido na vida dele entre seus 10 e 16 anos, veja o que acontece.

Por que 10 e 16? Porque acontece de ser uma idade muito importante na vida de uma pessoa. Há quatro grandes crescimentos ou expansões da inteligência humana em nossas vidas. O primeiro grande crescimento da inteligência ocorre por volta dos quatro anos, quando a criança aprende que ele/ela tem uma identidade; que ele/ela é um menino ou menina, que tem um nome; quando os quatro anos agem, há uma resposta e naquela idade ele/ela pertence a uma família, e esses são seus pais e ele/ela vive nesse lugar. Nessa idade, pelo menos pra grande maioria, a criança é mais do que nunca, capaz de comunicar suas necessidades.

O terceiro estágio, ou expansão, no crescimento da inteligência humana ocorre quando a criança tem por volta de nove ou dez anos; essa é a idade em que ele ou ela entende que tem uma identidade, uma voz singular e individual. A pessoa jovem está aprendendo a questionar a autoridade, formando suas próprias opiniões e começa a “expressar os seus pensamentos”. Esse é um momento muito vital na vida de uma criança.

O quarto estágio no crescimento da inteligência humana, e a expansão de desenvolvimento mais importante, ocorre quando a pessoa tem por volta dos 15 ou 16 anos. Essa é a idade em que o adoles¬cente se rebela contra tudo e tenta encontrar sua própria voz; o adolescente entende repentinamente que seus pais não são mais o centro do universo, ele/ela olha lá fora, no mundo por exemplo, procurando formas de comportamento, como roupas ou cabelos, dos quais são aceitáveis para os seus companheiros e expressam quem eles são.

Dê um tempo para ver o quão forte essa impressão é em sua própria vida; feche os seus olhos e volte àquele tempo em que você tinha por volta de quinze ou dezesseis anos, e veja qual incidente ou acontecimento que mais lhe afetou. Qual foi o incidente ou acontecimento que vêm a sua mente? Se você quiser, toque alguma música daquele tempo e veja quais lembranças ela traz, e então dê um tempo para ver como algum incidente em particular daquele período afetou você e possivelmente mudou a sua vida.

Essa é a força e o poder que o Círculo de Existência pode expressar na vida do seu personagem. Uma vez que você encontra e cria uma experiência ou um incidente que afete que a vida de seu personagem, então você pode basear o arco emocional naquele incidente e ter o confronto do personagem e resolver, (ou não resolver), a experiência. Isso se torna uma forma de embelezar a profundidade e dimensão do personagem, para criar um ponto de vista e atitude fortes e definidos, e se contém dentro da carga do conflito.

Então se você sente que o seu personagem está muito fino e unidimensional, muito passivo ou muito ativo, ou fala de forma que seja muito direta ou explicativa, uma forma de possivelmente resolver o problema é voltar e explorar a sua vida em termos do Círculo de Existência.

Outro modo de abordar essa idéia tem a ver com a Terceira Lei do Movimento, de Newton. A lei da física que estabelece que ação e reação são dois lados da mesma moeda. “Para cada ação há uma reação igual e oposta”. Há uma boa regra a se seguir ao construir o roteiro. Se algo acontece com um personagem, se eles são afetados por algum incidente ou acontecimento, a reação é uma parte normal de revelar aspectos diferentes do personagem. Os personagens estão sempre agindo e reagindo aos acontecimentos ou forças que os afetam.